Total de visualizações de página
quinta-feira, 15 de março de 2012
Sobre fumaça e bons ventos - II
Por André Custódio, de Sevilha.
Porém, há o contra-discurso da Espanha em crise. É impressionante como discurso de “crise” é capaz de afetar o cotidiano e a própria percepção de realidade. Trata-se de um sentimento coletivo propagado intensamente pelos meios de comunicação e, ao que parece, falar, pensar e atuar numa lógica de crise oferece certa sensação de integração e participação da realidade social e política. Todo-mundo-fala-todo-dia-da-crise! Já é comum ver estabelecimentos fechados, bares e restaurantes vazios, e a universalização do botellodromo (lugares que os jovens se reúnem para beber na rua para evitar o preço das bebidas.). Os índices de desemprego estão elevadíssimos e uma preocupação geral sobre as perspectivas de futuro que não parecem ser boas.
Todo esse clima confunde-se com um processo político conturbadíssimo e disputado.
Neste momento estamos em fase de eleições na Andaluzia. Aqui não é preciso conhecer em detalhe os partidos políticos. É Esquerda (PSOE) e Direita (PP), e pronto. Recebi umas cédulas eleitorais aqui em casa num envelope verde escrito “Elecciones al Parlamento de Andalucía 2012”. Vem com a relação dos candidatos impressa com os dizeres “Doy mi voto a la candidatura presentada por (o nome do Partido)”. É só depositar no dia da eleição o envelope da sua preferência.
Mas política tem que estar nos meios de comunicação. Os canais abertos de televisão têm uma programação um tanto exótica. Seis canais transmitem programas de previsão do futuro através de cartas, tarô ou horóscopo. Dois canais transmitem programas da igreja católica com ênfase na semana santa. E outros cinco canais transmitem programas de notícias, auditório e debates: todos de (extrema?) Direita.
Hoje assisti a história de uma mulher que ficou por vinte anos tentando resolver um problema de saúde na rede pública e não conseguia um diagnóstico correto. Ao final, aparecia uma mulher feliz. Foi atendida na rede privada de saúde e em apenas 24 horas teve seu problema resolvido!!!
Há matérias tão tendenciosamente absurdas que (o lixo da) Revista Veja seria considerada de esquerda. Está bem. Exagerei. Mas realmente tem matérias que nos tiram do sério. Por exemplo, a repórter que pergunta para o líder do PSOE: - Qual a proposta do seu partido para acabar com as greves?
Resumindo, a imagem veiculada (grotescamente) é: Direita: toma medidas duras, mas necessárias, resolve a crise. E se tiver que privatizar ou vender para resolver o problema que o faça; Esquerda: quando governa gasta demais, fica bagunçando as ruas e tumultua a vida de quem quer resolver os problemas. Acho que já vimos coisas assim no Brasil da década de 1980.
As discussões centrais sobre o modelo de Estado, as estratégias de financiamento e responsabilidade fiscal do Estado Social Democrático e Direito estão em segundo plano. Há um calor eleitoral criando uma nuvem de fumaça sobre a realidade. Enquanto isso, trabalhadores perdem seus empregos e seus direitos trabalhistas são flexibilizados. O sentimento de crise provoca uma depressão geral e as políticas públicas, deixam ser públicas, restando apenas mera política. Sinceramente não consigo entender como isso pode ocorrer num país tão organizado, com uma infra-estrutura exemplar, um patrimônio histórico ultra-preservado e uma cultura de proteção social que nos inspira.
Ah... Cheguei ao supermercado às 20h50min e não tinha quase ninguém. Ainda coletava os alimentos necessários para a caverna quando apagam a luz e fecham a porta! Tive que implorar ao segurança para sair sem esperar o expediente do dia seguinte. E de mãos vazias.
Era pontualmente 21 horas.
Tempos de rigor, tempos de crise. Talvez o enfoque e a percepção de realidade precisem mudar. Que os bons ventos latino-americanos ajudem a todos nós.
André Viana Custódio, Sevilla/Espanha, 15/03/2012
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário