Total de visualizações de página

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Linda imagem para a democracia brasileira

A foto acima mostra todos os ex-presidentes vivos da república juntos, presentes ao ato de instalação da Comissão da Verdade. A imagem fala por si. Mostra um país onde a democracia já permite a convivência cordial daqueles que se enfrentaram em disputas eleitorais passadas e recentes. Chantal Mouffe fala que a democracia pressupõe o status agonístico dos conflitos, ou seja, que as disputas se dêem entre adversários que não se querem eliminar mutuamente, mas apenas derrotar nas regras do jogo democrático. Onde não há democracia, o status dos conflitos não é agonístico, mas antagonístico. Não há adversários, mas inimigos. O objetivo de eliminar o inimigo é considerado válido e levado à prática. É
por isto que a Comissão da verdade é necessária. Porque na Ditadura brasileira as coisas eram de outra maneira. Quem discordava do regime era inimigo, não adversário. É só ler o AI-5 e ver a diferença. Sucesso aos membros da comissão. Sua missão é histórica. A foto acima também é.

terça-feira, 17 de abril de 2012

Vladimir Safatle - Os limites do lulismo


Na Folha de São Paulo de hoje.

"Há alguns anos, o cientista político André Singer cunhou o termo "lulismo" para dar conta do modelo político-econômico implementado no Brasil desde o início do século 21.

Baseado em uma dinâmica de aumento do poder aquisitivo das camadas mais baixas da população por meio do aumento real do salário mínimo, de programas de transferência de renda e de facilidades de crédito para consumo, o lulismo conseguiu criar o fenômeno da "nova classe média".

No plano político, esse aumento do poder aquisitivo da base da pirâmide social foi realizado apoiando-se na constituição de grandes alianças ideologicamente heteróclitas, sob a promessa de que todos ganhariam com os dividendos eleitorais da ascensão social de parcelas expressivas da população.

O resultado foi uma política de baixa capacidade de reforma estrutural e de perpetuação dos impasses políticos do presidencialismo de coalizão brasileiro.

No entanto é bem possível que estejamos no momento de compreensão dos limites do modelo gestado no governo anterior. O aumento exponencial do endividamento das famílias demonstra como elas, atualmente, não têm renda suficiente para dar conta das novas exigências que a ascensão social coloca na mesa.

É fato que o país precisa de uma nova repactuação salarial. As remunerações são, em média, radicalmente baixas e corroídas por gastos que poderiam ser bancados pelo Estado. Por isso, é possível dizer que a próxima etapa do desenvolvimento nacional passe pela recuperação dos salários.

A melhor maneira de fazer isso é por meio de uma certa ação do Estado. Uma família que recebe R$ 3.500 mensais gasta praticamente um terço de sua renda só com educação privada e planos de saúde. Normalmente, tais serviços são de baixa qualidade. Caso fossem fornecidos pelo Estado, tais famílias teriam um ganho de renda que isenção alguma de imposto seria capaz de proporcionar.

Entretanto a universalização de uma escola pública de qualidade e de um serviço de saúde que realmente funcione não pode ser feita sob a dinâmica do lulismo, pois ela exige investimentos estatais só possíveis pela taxação pesada sobre fortunas, lucros bancários e renda da classe alta. Ou seja, isso exige um aumento de impostos sobre aqueles que vivem de maneira nababesca e que têm lucros milionários no sistema financeiro.

Algo dessa natureza exige, por sua vez, uma mobilização política que está fora do quadro de consensos do lulismo.Porém a força política que poderia pressionar essa nova dinâmica ainda não existe no Brasil. Ela pede uma esquerda que não tenha medo de dizer seu nome. "

quinta-feira, 12 de abril de 2012

Ciência, Religião e Direito: aborto de feto anencefálico


Por Carlos Venerio

O julgamento do STF sobre o aborto de feto anencefálico é um destes grandes momentos do direito, em que as reflexões sobre o jurídico se cruzam obrigatoriamente com questões ligadas à ciência, moralidade, religião e, por que não, sobre que diabos afinal é o próprio direito.

Sei que não é fácil acompanhar um julgamento desses. O primeiro obstáculo para o cidadão comum é a linguagem dos votos, quase sempre empolada e obscura. O segundo obstáculo é o tempo das manifestações: é raro o ministro que concorda com o relator simplesmente manifestar sua aquiescência ou apenas afirmar aquilo que faltou dizer. E lá vem mais uma hora de muitas repetições em votos lidos, nem sempre lidos com muita empolgação.

Já foi dito que o STF não funciona como verdadeiro colegiado e isso fica escancarado quando se observa a justaposição de votos que não dialogam verdadeiramente. A transmissão pela TV tem a ver com isso. Se por um lado é bom para a cidadania ver um julgamento deste porte na sala de casa, por outro a exposição leva os ministros a reiterarem seu viés performático e aí a boa intenção se mostra inviável: quem pode ficar dois dias ou mais escutando a leitura de textos complicados?

Acompanhei o voto da Rosa Weber. Ela não era a relatora, mas seu voto durou mais de uma hora. Ela acompanhou o relator, no sentido de autorizar o aborto de fetos sem formação do cérebro.

Em seu voto, no início, ela claramente se preocupou em diferenciar as questões científicas das questões morais e jurídicas. Primeiro, destacou que a ciência não é perfeita, citando o caso da classificação do planeta Plutão (o nome do planeta sempre gera alguns risinhos, mas a reflexão foi pertinente), decidida em votação apertada. Depois, trouxe para o debate a falácia naturalista: não é a descoberta científica em qualquer campo que determina o que devemos fazer. De um ser não deriva o dever ser, já dizia o velho Hume.

A decisão desta semana, afirmou a nova ministra, será jurídica. O dever ser sobre o aborto anencefálico será decisão que deriva de outro dever ser, ainda que as informações científicas em muito contribuam para a compreensão mais abrangente da questão. E o direito tem a riqueza e complexidade de apresentar “dever ser” para uma e outra decisão. Não haverá silogismo dedutivo e juiz neutro, mais uma vez e sempre.

Até aqui a votação, interrompida e que deverá prosseguir hoje, está em cinco a um favorável à autorização do aborto de anencéfalos. Parece que a vitória é certa. Fico satisfeito, pois a decisão respeita tanto a liberdade da mulher que julga ser impossível ou inútil suportar a dor de conduzir um longo calvário de desfecho previsível quanto as convicções dos religiosos, que poderão continuar convencendo o SEU rebanho de que esta ato é em sua visão de mundo abominável.

Não deixa de me surpreender a ênfase de membros da igreja católica que parecem apenas querer aproveitar alguns minutos de fama. Levar um pedido de impeachment do relator ao Congresso Nacional em plena sessão de julgamento do caso não parece ser uma atitude equilibrada. Ademais, depois da divulgação dos inúmeros casos de pedofilia na Igreja e dos esforços do Vaticano no sentido de abafá-los, se esperaria um pouco mais de humildade deste grupo, tão ávido em querer impor seus valores aos não católicos quando se evidencia que muitos de seus destacados membros não os praticam.

O Estado brasileiro é laico. O STF está mostrando que entende isso. Que bom.

Considerações sobre a Lei Seca e suas novas representações


Por Sergio Graziano

Na próxima quarta-feira, dia 11 de abril, deve ser votado um substitutivo à atual Lei 11.705/08 (conhecida Lei Seca). O objetivo inicial da lei era, ao que parece, tentar diminuir o número de acidentes de trânsito e, consequentemente, os danos por eles originados. O referido substitutivo pretende, agora, alterar um ponto importante da lei: a prova da embriaguez, isto porque em recente julgado, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que a prova da embriaguez somente é possível por meio do exame de sangue ou do teste do bafômetro. A decisão afirma, ainda, que a lei estipula a comprovação de quantidade de álcool no sangue, o que não seria possível com outros tipos de prova como, por exemplo, testemunhas, imagens ou mesmo pelo exame clínico do motorista.

O texto do substitutivo ainda não está pronto (pelo menos ainda não vi divulgado), mas tudo indica que haverá, além da alteração no mecanismo de prova, um considerável aumento da pena pela prática do crime, ou seja, além das punições administrativas (perda do direito de dirigir, multa, apreensão do veículo, etc.) haverá um aumento das penas pela prática dos crimes previstos no Código de Trânsito.

De certo modo esta ideia punitiva é dissonante ao novo perfil processual penal brasileiro, pois, como se sabe, a ineficácia da pena de prisão (até mesmo do ponto de vista simbólico) está muito clara e há mecanismos de controle social mais razoáveis (se é que podemos pensar em um modelo sócio penal razoável, mas...) e melhor articulados com alternativas à pena de prisão.

Infelizmente tem sido freqüente a divulgação de que há uma busca incessante em tornar mais eficaz a lei, em especial no combate à impunidade no trânsito. Ora!!, esta lógica de colocar pessoas irresponsáveis na prisão não atende qualquer pretensão teórica ou prática, pois a falácia da ressocialização por meio da pena de prisão é sabida. É necessário, sim, um controle social – democrático e republicano – do trânsito de veículos vinculado a políticas públicas que efetivamente permitam uma mobilidade urbana mais segura. É necessário, também, um sistema de fiscalização de trânsito estruturado para suficientemente organizar seu fluxo.

Acredito, por exemplo, na municipalização do controle social do trânsito por meio das Guardas Municipais, isto porque é na municipalidade que se deve discutir, fomentar e implementar as políticas públicas de ações prioritárias visando a melhoria dos fluxos dos veículos e a responsabilização (e não criminalização) dos infratores. Para tanto, é importante dar autonomia administrativa e fiscalizatória ao órgão municipal que terá esta função. Esta agenda deve ser constituída pelos prefeitos municipais, visto que na municipalidade estão instalados os problemas e, portanto, é ali que devem ser engendradas as políticas públicas mais adequadas às necessidades locais.

Não precisamos, portanto, aumentar a população prisional, por meio do aumento de penas e do recrudescimento do sistema penal para melhorar o trânsito, mas, sim, precisamos de políticas públicas de educação e conscientização no trânsito, bem como a reestruturação política administrativa das polícias, permitindo que cada municipalidade organize sua própria polícia, com finalidades específicas para que faça uma melhor administração dos conflitos de trânsito existentes.

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Considerações sobre a Segurança Pública (segunda parte)



Por Sergio Graziano

Conforme havia dito na primeira parte deste artigo, o resultado da falta de planejamento e políticas públicas de segurança é o surgimento dos diversos problemas que estamos vivenciando em nossas cidades e, mormente haja pesquisas apontando em outra direção, o que prevalece, infelizmente, ainda é a atuação das polícias no combate à criminalidade marginal.

Permita-me esclarecer: é sabido que o problema do comércio ilegal de drogas está relacionado com a existência de violência, vez que este mercado além de lucrativo está umbilicalmente conectado ao comércio ilegal de armas, ou seja, uma mistura explosiva e, consequentemente, violenta. A resposta que se pretende e, infelizmente o poder público tem dado, é combater com repressão o tráfico de drogas. Não se discute, por exemplo, com a seriedade e serenidade necessárias as políticas de saúde públicas aos dependentes de drogas, nem mesmo se faz uma profunda discussão sobre a legalização do uso de drogas.

É importante perceber que não se pode pensar em segurança pública de forma primária, creditando às drogas a responsabilidade pela violência instalada em nossas cidades. É preciso, portanto, pensar segurança pública como algo complexo e, ao mesmo tempo, de forma localizada entendendo sua especificidade, isto porque há “violências” que devem ser entendidas em sua complexidade. Há vários perigos ao desconsiderar a complexidade da violência: primeiro é imaginar que a solução esteja no aumento da repressão, da vigilância, do policiamento e, em conseqüência, das prisões.

Infelizmente esta resposta tem sido dada e, como se vê, não há sinais de resolução do problema. Concluo convidando ao debate: penso que a simplificação em resolver as questões da violência com mais repressão leva à opacidade de outras “violências”: homofobia, preconceito racial, mais violência policial, violência doméstica, violência ambiental, flexibilização dos direitos trabalhistas, dentre outras. É preciso pensar “políticas públicas” de segurança mais democráticas, respeitando sua complexidade, evitando o lugar comum da repressão.