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quinta-feira, 12 de abril de 2012

Ciência, Religião e Direito: aborto de feto anencefálico


Por Carlos Venerio

O julgamento do STF sobre o aborto de feto anencefálico é um destes grandes momentos do direito, em que as reflexões sobre o jurídico se cruzam obrigatoriamente com questões ligadas à ciência, moralidade, religião e, por que não, sobre que diabos afinal é o próprio direito.

Sei que não é fácil acompanhar um julgamento desses. O primeiro obstáculo para o cidadão comum é a linguagem dos votos, quase sempre empolada e obscura. O segundo obstáculo é o tempo das manifestações: é raro o ministro que concorda com o relator simplesmente manifestar sua aquiescência ou apenas afirmar aquilo que faltou dizer. E lá vem mais uma hora de muitas repetições em votos lidos, nem sempre lidos com muita empolgação.

Já foi dito que o STF não funciona como verdadeiro colegiado e isso fica escancarado quando se observa a justaposição de votos que não dialogam verdadeiramente. A transmissão pela TV tem a ver com isso. Se por um lado é bom para a cidadania ver um julgamento deste porte na sala de casa, por outro a exposição leva os ministros a reiterarem seu viés performático e aí a boa intenção se mostra inviável: quem pode ficar dois dias ou mais escutando a leitura de textos complicados?

Acompanhei o voto da Rosa Weber. Ela não era a relatora, mas seu voto durou mais de uma hora. Ela acompanhou o relator, no sentido de autorizar o aborto de fetos sem formação do cérebro.

Em seu voto, no início, ela claramente se preocupou em diferenciar as questões científicas das questões morais e jurídicas. Primeiro, destacou que a ciência não é perfeita, citando o caso da classificação do planeta Plutão (o nome do planeta sempre gera alguns risinhos, mas a reflexão foi pertinente), decidida em votação apertada. Depois, trouxe para o debate a falácia naturalista: não é a descoberta científica em qualquer campo que determina o que devemos fazer. De um ser não deriva o dever ser, já dizia o velho Hume.

A decisão desta semana, afirmou a nova ministra, será jurídica. O dever ser sobre o aborto anencefálico será decisão que deriva de outro dever ser, ainda que as informações científicas em muito contribuam para a compreensão mais abrangente da questão. E o direito tem a riqueza e complexidade de apresentar “dever ser” para uma e outra decisão. Não haverá silogismo dedutivo e juiz neutro, mais uma vez e sempre.

Até aqui a votação, interrompida e que deverá prosseguir hoje, está em cinco a um favorável à autorização do aborto de anencéfalos. Parece que a vitória é certa. Fico satisfeito, pois a decisão respeita tanto a liberdade da mulher que julga ser impossível ou inútil suportar a dor de conduzir um longo calvário de desfecho previsível quanto as convicções dos religiosos, que poderão continuar convencendo o SEU rebanho de que esta ato é em sua visão de mundo abominável.

Não deixa de me surpreender a ênfase de membros da igreja católica que parecem apenas querer aproveitar alguns minutos de fama. Levar um pedido de impeachment do relator ao Congresso Nacional em plena sessão de julgamento do caso não parece ser uma atitude equilibrada. Ademais, depois da divulgação dos inúmeros casos de pedofilia na Igreja e dos esforços do Vaticano no sentido de abafá-los, se esperaria um pouco mais de humildade deste grupo, tão ávido em querer impor seus valores aos não católicos quando se evidencia que muitos de seus destacados membros não os praticam.

O Estado brasileiro é laico. O STF está mostrando que entende isso. Que bom.

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